23 pares de cromossomos, mas um deles tinha que ser diferente...
photo by John Lund
Não, isso não é o preâmbulo para outro rosário a ser desfiado diante das humanas hoje, nesse dia decretado para nos lembrar que seria preciso um dia para sermos lembradas...
Nada disso poderia ser mais equivocado. Afinal, um dos pares de cromossomos teve que se diferenciar diante da vontade de grandeza do homo sapiens que, muito complexo, não podia mais ficar brincando de meiose e mitose para garantir a sobrevivência da espécie. Além disso, nós existimos de fato e na lembrança, todos os dias: impossível não notar a presença da mulher ou do feminino no mundo.
Desculpem meninas, e meninos, mas todo dia eu procuro fazer poesia: hoje eu só quero fazer justiça. Muita coisa aconteceu na história da humanidade que me faz entender porque a mulher – mesmo sendo em maior número que o homem (outra necessidade biológica) - virou politicamente uma minoria com direito a ganhar uma bolota no calendário. Bolota que, aliás, me lembra tiro ao alvo. E aí me lembro porque – poesias e rosas a parte – eu não me sinto muito a vontade com o Dia Internacional da Mulher.
Nessa data, no dia 8 de março de 1857, em Nova York, trabalhadores de uma fábrica, mais exatamente 129 mulheres trabalhadoras, fizeram uma greve para exigir a redução da carga horária de seu trabalho, que era então de 12 horas por dia. Era o tempo de um capitalismo recém-nascido, infantil - e de empregadores idem, que não satisfeitos em tirar da aristocracia seu poder, levaram junto sua vilania abençoada por Deus. E nesse tempo, o ato de empregados exigindo direitos era algo inaceitável, que devia ser severamente punido com, por exemplo, a polícia perseguindo as 129 mulheres, que recuaram para dentro da fábrica, e seus empregadores botando fogo na fábrica com todas elas dentro.
Hoje, no mundo inteiro, é oficialmente comemorado (?) o Dia da Mulher, nos lembrando dessa data triste e de outra tristeza: nos relembra a morte criminosa de mulheres lutando por direitos justos para qualquer sexo, e, principalmente, no avisa da intolerância insistente do ser humano, de todos os sexos. Na intenção de honrar a memória destas heroínas, pessoas corajosas que lutavam contra a injustiça, essa data acaba por ressaltar nossa capacidade de criar datas comemorativas para compensar a pequenice histórica de nossas almas, que, pior, é tão discutida e aceita seriamente como "natural". Natural é que todos possam ser igualmente felizes, e igualmente respeitados pela sua condição básica. De seres humanos? Não, de seres vivos. É a vida que nos faz dignos de respeito e amor.
Nesse mundo que persigo, não faz sentido que se comemore o dia de um tipo de alguém, pois seria tão nonsense como comemorar o dia de todos. Nesse mundo que eu quero viver, se as pessoas abrem a porta para mim, ou seguram minha mão para eu sair do carro, é porque é bom ser gentil com o outro, e não simplesmente porque eu tenho um par de cromossomos diferentes. O mundo no qual eu acredito é um mundo onde homens também recebem flores, pois eles também merecem ser amados, e seus feitos lembrados, e seus sacrifícios engrandecidos. O mundo que quero ajudar a construir é uma sociedade onde mulheres também sabem ser perfeitas cavalheiras. Um mundo onde não existam pedestais é um lugar onde as pessoas podem andar sobre o mesmo chão, compartilhar a mesma vida e valores, e melhor: onde não vão cair de lugar nenhum.
Afinal, nesse mundo nossas almas seriam tão maiores que calendários e intolerâncias, do que podes e não podes, que não haveria lugar para tanta gente num único pedestal: o planeta inteiro já estaria literalmente mais elevado. E no dia que o mundo for assim nós seremos tão mais livres - mulheres, homens e seres do sexo que bem quiserem – que esqueceremos de criar uma data comemorativa para fato tão feliz.
Quando esse dia chegar, nossa folhinha estará muito ocupada com as lembranças dos dias que já vivemos, e nós, completamente entretidos com cada sonho que queremos realizar em cada um dos dias que ainda nos resta em nossos calendários...
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